02/02/12

histórias recebidas fevereiro I


Era assim desde que aquele rapaz decidira transformar-se no terror da escola. Todos fugiam quando ele aparecia. Ninguém queria vê-lo, brincar ou conversar com ele.
Como não gostava de ninguém, esquecera-se do que era receber uma carícia, um beijo, uma festa nos cabelos, um segredo. E ninguém fazia questão de o lembrar.
Um dia, um cãozinho tão rafeiro como ele aproximou-se, enroscou-se-lhe nas pernas, lambeu-lhe as mãos…
No chão, ficou um coração de pedra desfeito em cacos.
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 51 anos, S. João da Madeira
Cada vez mais preciso do meu próprio espaço, um lugar tranquilo onde deixe de ouvir ruídos. Campainhas a mandar trabalhar, pessoas autoritárias a comandar, buzinas a refilar, músicas a martelar. E outros, ainda mais ensurdecedores. Vozes que reclamam, lágrimas que sufocam, dores que matam.
Cada vez mais preciso de encontrar a paz. Onde, se todos os lugares perfeitos estão ocupados ou são inacessíveis?
Opto por pegar num livro. Deitada no sofá, descubro o refúgio dentro de mim.
 Ana Paula Oliveira, 51 anos, S. João da Madeira

77, 3º Dto.
Frente à porta, no canteiro redondo de um plátano, estavam 5 gatinhos a miar, ainda de olhos fechados.
Levámos para casa com jeitinho, éramos irmãos e primos, miúdos dos 6 aos 9 anos, mostrámos à avó dizendo que os criaríamos a biberon.
Interessada, pegou neles com carinho e percorreu connosco o corredor, entrando na casa de banho.
Um a um espetou com eles contra o chão de cimento vermelho, explicou que era por caridade.
José Pedro Penha Lopes

Aquela fábrica produzia chapéus para todo o mundo: de cowboys, de polícia, cartolas, bonés …
Os funcionários, ao embrulharem a encomenda repararam que um deles tinha defeito.
– Oh, não, este chapéu está amassado.
– Não podemos mandá-lo assim. Que chatice!
O chapéu ficou muito triste ao ouvir aquela conversa, e pensou:
– Oh, não, será que me vão colocar no latão onde queimam os restos de felpo? – estremeceu, só de se imaginar naquele latão tão horrível.
Arlete Leitão

Eu quero um gelado, avó - disse Necas com ar suplicante.
Não podes comer um gelado porque estás com a garganta inflamada, respondeu a avó assertivamente.
Necas começou a falar baixinho.
O que é que estás a dizer Necas? - perguntou a avó.
Estou a dizer à inflamada que saia da minha garganta para eu poder comer o gelado.
E o que é que ela respondeu?
Disse que eu já podia comer porque ela foi para a garganta da avó.
Ana Duarte

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