A propósito ou o propósito dos desafios de escrita

Pediram-me, há umas semanas, que explicasse o que entendo por desafios de escrita. Prometi que o faria, aqui vai:

Para mim, os desafios de escrita (ou workshops de escrita criativa) não se destinam a formar escritores ― isso, ninguém o poderá fazer senão o próprio. Ser escritor é caminhar por um percurso

solitário de muitas leituras, de muitos textos destinados ao lixo, de muitos recomeços e reescritas, até se encontrar a sua voz própria, até se encontrar uma versão final (se é que isso existe) do texto que pusemos no papel.

Peço aos professores, que comigo vão levando as Histórias em 77 palavras para as escolas, que não digam aos jovens «vais ser escritor!». Não é para isso que construo os desafios, e acho enganador que tal se diga a alguém. A verdade é esta: não é com receitas que nos tornamos escritores, é com trabalho e muito empenho, muita escrita, muita tentativa-erro, muita coragem e muita dedicação.

Para mim (repito isto, pois é apenas a minha forma de os ver), os desafios de escrita servem para se ganhar o gosto pelas palavras, encontrar-lhes magia e possibilidades, mexer na intriga e reformulá-la, mergulhar no oceano da escrita. Utilizo constrangimentos vários (letras a menos, palavras obrigatórias, e por aí adiante), para que se saia da zona de conforto onde escrevemos sem pensar, se alargue o vocabulário, se sinta o valor da sintaxe e se jogue com os significados. Acredito também que o prazer de escrever vai mais além do apuramento da linguagem. Pode fazer muito por nós, verbalizando os nossos conflitos internos, reenquadrando alegrias e medos, sonhos e aflições, e este é um trabalho sempre valioso do ponto de vista da construção da pessoa que somos.

Mas, para mim, o objetivo de todo este trabalho é, também, outro: quero que (diria sobretudo) sejamos capazes de compreender um contrato, um projeto, um enunciado de exame, uma notícia, e de ler com prazer um livro, uma peça humorística, uma crónica, para que a nossa relação com a comunicação seja alargada e sempre reconstruída. E estou certa de que seremos melhores leitores, deliciados pelo «como foi contada esta história», apreciando esta arte.

Disse-o uma vez numa mesa redonda, reproduzo aqui. Fazemos tapetes de Arraiolos para sermos mestres? Fazemos roupa para sermos costureiros? Aprendemos a usar aguarelas para sermos pintores? Será que, num workshop de ourivesaria, esperamos sair de lá mestres na arte da filigrana? Não, mas não deixa de ser curioso que se pense nos workshops de escrita como fábricas de escritores. Escrevemos porque nos dá prazer, porque nos comove ou diverte, porque gostamos de fazer das palavras o que entendemos naquele instante, porque nos absorve e entusiasma, porque conseguimos mostrar as nossas opiniões. E, tenho a certeza disso, porque nos torna melhores leitores.

23 setembro 2018

Margarida Fonseca Santos