As 12 histórias da Vanda Pinheiro/Maria Jorge, 35 anos, Póvoa Santa Iria
A
CAMISOLA DE LÃ
O estendal da Rita estava cheio. Pijamas,
camisas, toalhas, peúgas e calcinhas enchiam os arames baloiçando ao vento e
secando ao sol. Estavam felizes e alegres, exceto a camisola de lã. Pendurada
pelos ombros, tentava não ouvir o que resmungavam as calças de ganga. Presas
pela cintura, as novíssimas calças gritavam para que todos escutassem que não
pretendia fazer par com a camisola. Quando as gémeas peúgas perguntaram porquê,
respondeu que ela estava velha e sem cor.
A
CÂMERA FOTOGRÁFICA
Quando parou de chover e o sol
irradiou o dia, Joana pegou na trela e levou a caniche a dar um passeio. Estava
um lindo dia primaveril para libertar risos e sorrisos, travessuras e
brincadeiras. Assim que pisou o chão, Canita desprendeu-se da dona e correu
para um caixote do lixo. Chateada, Joana foi atrás dela, pois não gostava de
vê-la roer ossos. Mas surpresa, o osso escondido era uma máquina recheada de
fotos com maravilhosas paisagens.
O
ELÉTRICO
Quando o comboio chegou à aldeia
todas as pessoas juntaram-se na estação para admirar de perto aquela metálica
lagarta. O dia seria de festa e de alegria, pois não havia ninguém que não
quisesse viajar nele. O entusiasmo era tanto que depressa se esqueceram do
pequeno elétrico amarelo acostumado a levar toda a gente pelas aldeias ao som da
sua melodiosa campainha. No furor da agitação, não pensaram num funeral digno,
mas ele agora era uma relíquia.
FÉRIAS
Ainda o galo não tinha cantado, já
o Paulo e a Lara estavam na estação à espera do comboio. As aulas tinham
terminado e aqueles momentos eram sempre de ansiedade até à chegada dos primos
que vinham de férias. Tinham ajudado a avó a colher maçãs, amoras e morangos
para os doces, e estavam desejosos pelas brincadeiras. Mas antes teriam de pôr
o Tomás na banheira. Ele não resistia à tentação de aparecer com o rosto
mascarrado.
A
AVÓ MATILDE
A avó Matilde gostava de passar as
tardes sentada à janela de onde mirava o vaivém das pessoas na rua. Ria com as
crianças ao mesmo tempo que escutava o som dos pássaros empoleirados nos ramos
das árvores do jardim. Sem nunca perder a atenção do exterior, ajeitava os
óculos na ponta do nariz para voltar aos seus afazeres. Lindos trabalhos de
bordados e croché que as talentosas mãos da avó Matilde faziam quando manejavam
a agulha.
DOCES
DE NATAL
João adorava o Natal. Via os presentes antes da hora, e devorava os
doces. Naquela tarde, quis ajudar a avó na confeção das filhoses, ou melhor
dizendo, quis atrapalhar.
— Não tens com que te entreter lá fora?! — ralhou a D. Felisberta.
— Aqui dentro é mais divertido — respondeu, com um sorriso maroto. —
Posso ajudar a amassar?
— Podes ir embora.
João não resistiu e colocou a mão no alguidar. No fim, saiu com o rosto
também recheado de massa.
O
LAGO
Quando o nevão caiu cobrindo de
branco os telhados das casas e gelando os lagos, todas as pessoas correram à
rua. Crianças construíam bonecos de neve com a ajuda dos pais e jovens tiraram
do armário os patins. Filipa tinha seis anos e ainda não podia patinar. Mas por
10 minutos conseguiu esse desejo, e exibindo lindas piruetas pôs a aldeia a
aplaudir. No regresso a casa teve uma surpresa. Iria para uma escola de
patinagem artística.
O
LIVRO MISTERIOSO
Quando a mãe da Sofia obrigou-a a
arrumar o sótão, fez uma careta que durou uns 10 minutos. Só até ao momento em
que descobriu um enorme livro de capa grossa e páginas amarelecidas.
Desinteressou-se logo das limpezas, largou a vassoura e sentou-se no chão. «Que
livro seria aquele?» Parecia antigo, mas só havia uma maneira de descobrir.
Abri-lo e desvendar os segredos que ele estava disposto a revelar-lhe. As
palavras sussurravam uma estória inacabada. Sofia sorriu.
O
PALHAÇO
— Despacha-te! — gritou a mãe para o Francisco. — Ou vais chegar
atrasado à escola.
— Já estou pronto! — respondeu, enfiando à pressa uma colherada dentro
da boca.
— Não, não estás. Ainda não te calçaste!
Na atrapalhação, Francisco derrubou a tigela, e espalhou os cereais e o
leite sobre a mesa.
No regresso, pôs a mãe a rir.
— Tu vais para a escola ou para o circo?
— Escola. Não tenho cara de palhaço.
— Mas tens um sapato de cada cor!
AS
NOTAS MUSICAIS
Numa manhã, toda aldeia despertou
soalheira. O céu estava azul, as árvores verdes e as flores viçosas. Mas algo
errado se passava. Os rouxinois cantavam e não se escutavam. Os canários
entoavam e não libertavam nenhum piar. Os trovadores tocavam os alaúdes e as
cordas não gemiam. As pessoas teriam ficado surdas? Todavia, os gatos miavam e
os cães ladravam. Descobriram que Mozzarin, o senhor do castelo, tinha roubado
as notas musicais e fazia-as desaparecer das pautas.
JARDIM DE PALAVRAS
Às 17h04m, Januário levantou-se da
cama. Descalço, percorreu o soalho morno do quarto até aos azulejos frios da
cozinha. Passara o dia a dormir para estar acordado à noite. Pegou no pacote de
leite do frigorífico e sorveu dois golos. Dirigiu-se até à sala, sentou-se em
frente da máquina de escrever e colocou a folha branca no rolo. No fim, estacou
com o dedo a pairar sobre uma tecla. Como seria o seu próximo jardim de
palavras?
PIANO
O senhor Zé escolheu uma das mais
antigas e belas profissões do mundo. Quis ser carpinteiro e durante cinquenta
anos construiu armários, móveis, camas, mesas, cadeiras e tudo o que as pessoas
da aldeia e arredores lhe pediam. Certo dia, teve o pedido mais surpreendente,
mas também o mais grandioso que alguma vez podia ter tido. Construir um piano.
Parecia difícil, mas como nas mãos habilidosas do senhor Zé não havia
impossíveis, todos os desejos eram concedidos.
Olá, Margarida.
ResponderEliminarFicaram tão lindas no post. Muito obrigada pela partilha e espero que os nossos leitores se divirtam muito a lê-las.
Um beijinho e boas leituras!
Vão divertir-se de certeza! Estas mereciam estar assim juntinhas. E ficou engraçado.
ResponderEliminarDeixo-lhe um grande beijinho
Fico feliz que tenha gostado. E agora que temos um desafio diferente, vou preparar-me para ele. Vamos lá ver o que sai. :)
EliminarBeijinho e obrigada.
Boa, boa!!! É divertido... Bjs
EliminarParabéns pelos contos isso é que é dar a "caneta" ;). Continua a escrever e a dar asas a imaginação.
ResponderEliminarBjinhos
Vou mostrar estas histórias aos meus alunos. A Margarida (que esteve hoje na nossa escola)desafiou-os para a aventura das 77 palavras. Estou ansiosa para ver como irão reagir!
ResponderEliminarAté breve. Beijinhos :)
São Almeirim
Além de bastante divertido, é também muito estimulante. Até o desafio das 3 palavras propostas deu-me origem a 6 contos diferentes! É mesmo muito engraçado e viciante.
EliminarOs miudos irão adorar de certeza. :)
Beijinhos e boas escritas!!
Fico tão contente com este entusiasmo!
EliminarEspero que os jovens adiram - é que é mesmo muito divertido...
Um grande beijinho às duas!