Para não cair a tradição
Chico modificava a vida árdua com trabalho.
Oficiava nas madrugadas, ganhando alcunha famosa: o
trabalhador.
O garoto Chico não imaginava as mudanças vindouras.
Passou numa rua vazia para não cair a tradição.
Coisa doida: caminhar, divagar, andar por magias oriundas da
caixa acima dos ombros.
Poucas cucas, muito poucas, intimidavam a procissão.
Não adiantou, a sacola foi surripiada, roubada; não com
dó.
Sacola crua para o gatuno, mas valiosa para a formação
cultural do rapaz, maluquinho ardina.
Renata Diniz, 39 anos - Itaúna/Brasil
Chico, ao lado da vala, soluçava baixinho.
Andarilhos por ali o viam, ouviam os soluços sofridos.
Inconsolado!
– Qual a causa da tua dor?
– Uma profunda dor, falta o amor!
– Como assim?
– Minha antiga sacola foi roubada!
– AH! Choras assim por uma coisa tão banal?
– Ainda banal, tinha vida! Pouco da minha vida continha!
Ali cartas da minha Maria, paixão por trinta anos juntos,
mais oito só namorando! São tantos!
O chorou voltou a atacar, coitado do Chico!
Chica, 66 anos
Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil
Chico
havia sido um ardina trabalhador. Com a sacola ao ombro abarrotada com os
jornais da manhã cruzava o Chiado, o Rossio, o Martim Moniz, a Baixa! A sua
simpatia cativava todos. Muitos amigos havia adquirido.
Mas
a sacola, havia lá coisa mais linda! A sua maior jóia. Tantos anos
palmilhando juntos, ruas, praças. Não a largava!
Um
dia jogando às cartas no banco do jardim com os amigos foi assaltado. A sacola
voara. Com amargura chorou-a.
Emília Simões, 63 anos,
Mem-Martins, Algueirão
O ardina idoso dormiu
um sono solto na sua varanda. Coitado, Chico não acordara quando a sua sacola
foi pilhada por um corvo.
Ora, o malandro alado
arriscava muito para só furtar da bolsa um nada.
Num ai, Chico acordou
assustado.
Ah! O larápio fugiu
voando com algo no bico, mas, foi atingido por um calhau. Uma folha
turbilhonava no ar. Oxalá, o ardina salvava a sua fotografia na companhia da
afamada fadista Amália, comprando um jornal.
Theo De Bakkere,
62 anos, Antuérpia, Bélgica
Chico passava horas cismando na sua antiga vida. Nas ruas do
bairro, viajara mundo fora...Lá, tinha amigos, vizinhos, já não falando duma
apaixonada platónica! Maria vivia por cima da sua casa, mas Chico ignorava-a.
Só uma coisa o amargurava: o roubo da sua sacola. Ali
continha histórias fantásticas, agora só guardadas no coração, como sonhos do
passado.
Chico não sabia, mas Maria lia todos os dias bocados da sua
vida, tirados do fundo da sacola roubada...
Isabel Lopo, 69
anos, Lisboa
Ardina
Para abarcar a angústia na alma do Chico, só ouvindo a
sua história. Ardina, por uns bons longos anos, distribuíra notícias boas ou
más, com a ajuda da já gasta sacola. Quando abandonara o trabalho, não por
opção, mas por cansaço, a sacola acompanhou-o, lavrando a biografia.
Agora, caído na calçada, maldiz o ladrão. Roubara não
um comum pano, mas um bocado da história da sua vida, do dia-a-dia andarilhando
nas ruas, do amor por uma profissão.
Quita Miguel,
55 anos, Cascais
Tinha tudo
guardado na sacola transportada a tiracolo.
No passado, dali saíram jornais. Distribuídos, um a um, todos
os dias, sol ou chuva, dali saíram notícias (boas, más, assim-assim).
Mas, ali ocultava algo: páginas cortadas, muitas fotos,
cartas nunca mandadas. A atriz, amada toda a vida, com todo o sigilo, vivia na
sua sacola.
Bastou um curto minuto. Tantos anos guardados agora roubados.
Chico, o antigo ardina já inativo, viu toda a sua vida arruinada, vandalizada,
sumida.
Ana Paula Oliveira,
54 anos, S. João da Madeira
Porfia
Gingão, castiço, disfarçado nas calças apalhaçadas, Chico,
Chicão para alguns camaradas, vivia numa cómoda posição...a do único ardina do
Bairro das Margaridas. Usava ou abusava do cargo, a outros não admitindo poiso.
Na altura tardia da vida ainda fazia alguns ganchos.
A sacola dos jornais foi parar a mãos maldosas, não a
tornando a vislumbrar. Foi muito mau. Agastado, passou a dar às horas uma
importância nostálgica, tornando o porvir num patamar a conquistar cada dia.
Elisabeth Oliveira
Janeiro, 70 anos, Lisboa
A História de Chico e Bolinha
Chico
o ardina antiquado, andava cansado.
TÃO sofrido,
muito só, vivia amolado.
Tinha
sua sacola como amiga.
Os amigos logo
indagavam
o motivo por tanto
cuidado
Um dia, o horror..
Chico fica
transtornado, abatido, tonto,
Sua famosa sacola
fora subtraída.
Tudo agora mudara, finalizara,
tudo acabara...
O cuidado nada nada tinha
adiantado.
Chico sofria aniquilado, o coração
amargurado.
A sacola sumida? Como faria?
Abrigava Bolinha,
formosa cachorrinha.
Por Chico paparicada, toda cuidada...
Qual o glorioso final, Afinal?
Verena Niederberger, 64 anos, Rio de Janeiro,
Brasil
– Ladrão!
O antigo ardina vai rua abaixo a gritar: –
Ladrão!
Coitado do Chico, vai a arfar…
Mas o miúdo com a sacola a tiracolo corria
mais. Logo fugiu para o largo no qual a multidão o ocultou dos olhos do Chico.
Cansado da corrida forçada, o antigo ardina
apoiou o corpo agitado no banco do jardim ficando a cogitar na vida passada
toda contida na puída sacola surripiada. Sumida.
Assim o miúdo traquinas logrou dar às
gâmbias.
Raquel Sousa, 51 anos, Lisboa
Noutro dia, o Chico ardina dos jornais visitava a salina com
a sua sacola (a qual não largava).
Olhava a água pura, a flor do sal, os pássaros.
Um puxão brusco assustou o coração, surripiando-a.
Anos a trabalhar, nacos jornalísticos, palavras cronicistas
“voaram” da sua visão.
Mas, um rasgo luzidio abrilhantou o sumiço: construir com o
agora vazio um livro titulado “história da minha sacola”, canonizado da litania
paradigmática do passado laboral lapidado num futuro não mortal.
Ana Mafalda, 45 anos, Lisboa
Num banco do
jardim, Chico ardina gozava o sol na companhia animada da Rosa florista. Do
nada passa um larápio facínora para roubar a sua sacola, arrumadinha ao
lado da bolsa da Rosa.
– A minha
sacola! – gritou. Inconformado, salta do lugar numa caçada agalopada.
Rosa não
alcançava o ganho numa sacola apinhada com jornais antigos ou a razão da
aflição do Chico.
Ao virar,
cruzando a rua, acha, no chão, como o próprio coração, a sacola maltratada!
Deolinda Freitas, 41 anos, Chaves
O Ardina
Chico ardina, famoso, dá brados, grita:
– Notícias! Olh’ó notícias! Boas… notícias novas!
Na calçada da lota rivaliza com o brado da varina:
– Olh’á sardinha “biba”.
Rua acima larga os jornais na porta da tabacaria. Compra a raspadinha,
fica rico, alcança a fama.
Audaz, apanha o comboio. Vai partir.
Viaja. Olha o mundo nos matutinos.
A sacola vazia acompanha-o nos sonhos, na vida.
Acorda do sonho, o jornal guarda ainda o grito do último ardina da Lisboa
gaiata.
Alda Gonçalves, 47
anos, Porto
Roubou a sacola, não a ti
“Ora, ora,
roubado na hora com mais calma no trânsito!” A sacola com todas as suas tralhas
privadas roubada! O Chico ardina incomodado barafustava, falava sozinho, mas
alto, irritado. Afinal, fora rápida, muito rápida, a aproximação do tipo, com
ar pacífico. “Olá”, um puxão, zás! Sumiu. Chico, com tanta atrapalhação,
atarantado, na confusão, gritar não gritou. Ai! Ainda não atinava com aquilo.
Assumir a situação aturdia-o. A amada a sorrir, animou-o: roubou a sacola, não
a ti.
Rosa Maria Pocinho dos Santos Alves, 51
anos, Coimbra
O jardim todo florido! Os bancos pintados com grafitado colorido.
Chico, o mais famoso ardina da zona turística do Bairro, agora fora do activo,
ia todos os dias ao jardim procurar a sua sacola, roubada há uns dias atrás. Angustiado…
olhava, mas não via nada. Transportara a sacola largos anos, trazia muitas
histórias para contar…! Rápido raciocinou… como achar a sua companhia diária
tão antiga?! As histórias aproximavam-no, faltava pouco para a localizar.
Bastava olhar com rigor.
Prazeres Sousa, 52
anos, Lisboa
OLd
memories
Chico, concluiu:
– A agulha rodou, a vida mudou, mas a fotografia do passado,
ah, ficou ad infinitum...
Abriu o armário, catou a antiga caixa, pôs na
cama. Tomado por viva nostalgia tocou com carinho a foto usando a sacola
surrada.
– Como fora roubada?
Por pouco não chorou. Fora bom um tanto. Trabalho duro, sol a
sol, construiu a vida, casa, carro, família, alçou outros voos. Acolá, achara o
amor, único amor.
Guardou a fotografia.
A vida caminha.
Roseane Ferreira,
Estado do Amapá, Macapá, Extremo Norte do Brasil
A sacola
– Safados,
roubaram-na! Quando os apanhar...
– Roubaram-na?!
– Sim, a minha
sacola, dos jornais.
– A famosa
sacola.
– Famosa ou não,
graças à dita nunca nos faltou pão. Mas agora foi roubada.
– Tu e as tuas
manias.
– Manias?
– Sim manias.
Mas há alguma alma cobiçando essa coisa horrorosa?
– Horrorosa,
gasta, inútil… tudo isso mas muito minha.
– Não ta
cobiço...
– Pois sim...
– Claro! Imagino
as saídas com as minhas amigas de sacola a tiracolo.
– Goza!!! Vou à
policia!
– Oh, santa
paciência...
Carla Silva, 40 anos, Barbacena, Elvas
O amor do
Chico
O Chico tinha sido ardina.
Agora, idoso, só tinha a sacola dos jornais como ligação a tal vida. Um dia
roubaram-lha.
Chorava todos os dias.
Coitado do Chico!
Mas uma manhã, viu a sacola à
porta da sua casa.
Animado, tomou-a nas mãos,
abriu-a.
Ao abri-la, ficou angustiado,
amargurado!
Na sacola faltava uma carta do
único amor da sua vida. Um amor não consumado… mas, a carta, junta com a
sacola, formavam a razão da sua vida!
Domingos Correia, 57 anos, Amarante
Sacolas há muitas!
O olhar tinha ficado
apagado, a boca figurou um triângulo, uma lágrima grossa caiu no rosto. Chico
fora roubado. A sacola com antigas notícias da sua vila tinha sumido.
Nisto, um
indivíduo, mostrando mau modo, passou do outro lado da rua com uma sacola
igualzinha à sua. Num salto, agarrou-a por trás. Abriu-a, mas nada achou. Um
disparado “tudo na boa” saiu da sua boca, rápido como sapatos na corrida. O
indivíduo da sacola, nada articulou, paralisado.
Isabel Sousa, 63 anos, Lisboa.
Transtornado,
chorava o Chico ardina
Roubaram a sua
sacola
Do cotim, nada
ficou
Da infância, tudo
apagaram
Transportaram a
sua vida
A música dos Pink
Floyd
A pomba do John
Travolta
O cravo nascido no
abril
O baloiço da
acácia do jardim
O caroço roído da
fruta do quintal
A família vinda
das colónias
O amigo imaginário
Toda a instrução
primária
Tudo com sabor,
odor, gosto, amor
Tudo da infância foi
Nada ficou da sua
amada sacola...
Margarida de Jesus Seita Monge, 52
anos, Vila Verde de Ficalho
– Ladrão! Ladrão! – gritava o Chico, aflito.
Corria atarantado, rodopiando como louco. O polícia acudiu ao
grito. Olhou-o, com pouca confiança. Maltrapilho, pronunciou para si.
Inquiriu-o.
– Furtaram a sacola? Tinha jornais? Quantos?
– Não, não, não! Já não! Não trabalho no ativo!
– Só o saco?
– Mais, muito mais, toda a minha vida!
– Como assim? Um saco com uma vida?
– Fotos, caixinhas, cartolinas, postais …
O polícia procurava palavras para dialogar com o ardina, pois
toda a situação soava a absurdo.
Fátima
Fradique, 40 anos, Fundão
Chico, outrora ardina, transportava para todo o lado uma
sacola rasgada, mas com muitos sonhos.
Um dia, olhando um sumptuoso faisão, foi
assaltado.
– Socooorro! A minha sacola... a minha vida! –
gritava, com os braços no ar.
– Calma! Sacolas há muitas! – dizia um casal
para apaziguá-lo.
Passados uns minutos, um polícia trazia a sacola
vazia.
– A minha sacola! – sussurrava, com as lágrimas
nos olhos.
Quando procurava, assarapantado, a foto do único
amor, não a viu.
– Oh, passado desafortunado!
José
António Batista, 40 anos, Chaves
A história do Chico continuava a
cativar os vizinhos do bairro. Todos sabiam com minúcia cada passo do
infortúnio do ardina. A sua sacola fora roubada por um vil rapazola havia
muitos anos, mas ainda agora sofria na alma o abalo infinito causado por tal
ato. Os jornais não foram a sua maior ruína, pior tinham sido os parágrafos
apagados da sua biografia: um a um, os dias vividos na única profissão
praticada por si haviam sumido.
Ana Paula Fernandes, 51 anos, Torres Vedras
Outrora, madrugada fora, Chico saía para o trabalho. Na
longínqua vila do Marvão, montado na sua antiga Honda, voava com a sua sacola,
distribuindo cartas à população, ávida por notícias. Os dias passaram. Agora,
só a coçada sacola o acompanhava nos dias vazios…
– A sacola ou a vida! – gritou Zacaria.
– Paspalhão, vai assaltar noutro sítio! Aqui domina o Chico!
– Parvo do ancião… fica com a zona!
– Ufa! Idiota,
caiu no logro. Assim ludibriámos os tolos
– murmurou Chico.
Amélia Meireles, 62 anos, Ponta Delgada
Chico Ardina
Roubaram ao Chico Ardina
A sua sacola amada,
Antiga mas valiosa
Tinha uma obra sagrada!
A sacola maltrapilha
Tinha lá muito valor,
Uma vida labutando:
Suor, amargura, amor!
Jurou vingar no vadio,
Toda a raiva, furibundo,
Ia à procura, procura,
Atacá-lo ao fim do mundo!
Mas amigos avisaram
Do gatuno já sabido,
Amainou a sua fúria
Ao dar com todo o artigo!
No ladrão viu amargura,
Não praticou a vingança.
O idoso abandonado
Fora assim quando criança!
Maria do Céu Ferreira,
60 anos, Amarante
Chico, o ardina já
ancião, ficou muito amargurado. Tinham roubado a sacola, a da alça comprida,
sua há tantos, tantos anos! Lá, cabiam os jornais antigos, um postal ilustrado,
as fotos quando moço tiradas com a máquina Poloroid do amigo António… Uma figa
para garantir a fortuna da vida! Ainda a boina azul usada tanto para o calor,
como para o frio! Uns cigarritos Provisórios já amassados! Os fósforos Quinas,
caixa já vazia! Tudo surripiado! Maldito ladrão!
Maria de Fátima Beja, 58 anos, Santiago do Cacém, Escola
Secundária Manuel da Fonseca
Olá, amigo Chico, mais um dia a
labutar? Não, roubaram a minha sacola,
muito antiga, mas ali, guardava
as minhas mais antigas histórias.
Podia guardá-la no sótão, no
fundo do antigo baú.
Um bom lugar, para lá ficar
arrumada. Outrora, fui ardina, distribuía jornais,
proclamava as últimas notícias do
mundo. Agora sou só o Chico, sozinho, tristonho
mas a honra do ardina apaixonado
do ofício, não roubaram, ficou comigo,
como ficaram as histórias,
guardadas na antiga sacola.
Natalina Marques, 56 anos, Palmela
Chico,
o ardina, tinha 77 anos, cada um dos quais vividos agarrado à sua sacola
inútil.
Quando
a roubaram num dia nublado, Chico gritou por socorro com toda a sua voz.
Muitos
acudiram, mas a sacola não voltou ao dono.
Chico
nunca mais voltou a si.
“Roubaram
um bocado da minha alma!”, dizia ao choramingar rua fora.
Choramingou
por todos os dias futuros a sua antiga sacola vazia.
“A
minha vida ficou vazia agora”, dizia baixinho, saudoso.
Anabela Risso, 24
anos, Évora
Chico procura um carro
Chico Ardina,
mudando a vida, procurava um carro com a sua cor favorita, azul-aqua.
Mais logo,
consultadas as poupanças, Chico foi adquirir o novo rodinhas, um Carocha
dos anos 70, com bancos brancos.
Quando Chico
Ardina voltou para casa, mostrou a máquina a toda a vizinhança! Todos olharam,
ficando muito admirados!
Passados cinco
minutos, como o Chico foi muito distraído, (ou sovina?!), não pôs gasolina no
carro. Parou logo no início da rua Coração da Praia!
Ana Margarida Azevedo, 11 anos, Colégio
Paulo VI, Gondomar, prof Raquel Almeida da Silva
Chico, o Ardina,
não gostava da sua profissão, mas tinha gastos para suportar.
Chico adorava
falar na rua com indivíduos banais ou amigos já antigos, os quais iam comprar
os jornais. Mas, odiava a variação do clima: a mutação dos dias chuvosos para
dias com sol fazia-o ficar muito constipado.
Chico sonhava
possuir uma loja, mas não utilizando o auxílio do Banco, o qual chamava
"casa da usura". Assim gostava mais da chuva, do sol, da rua!
Susana Sofia Miranda Santos, 38 anos,
Porto
― Não! A sacola não! Toda a minha vida lá…
― Como?! Uma sacola roçada?
― Roçada! Sim! Mas vivida! Lá tinha a minha história:
artigos jornalísticos do passado, factos históricos, fotos … muito mais.
― A nossa história ganha vida no nosso coração, no dos
nossos. Uma sacola não passa disso, uma sacola! Pano!
― Como podes falar assim!? Ardina foi a minha profissão!
O amontoado na sacola mostra isso! Ajuda a ir ao passado.
― Passado!?
― Na minha longa vida há passado!
Fátima Fradique, Fundão
Chico, o tal
sonhador, ardina há muitos anos, agora já por casa, passara os anos avançando
na vida com uma mania: uma casinha a praia.
Os amigos
gozavam…
Macho com poucas
falas, não ligava aos simplórios, o sonho tinha dono.
A boa sacola,
tinha-a na tola!
― Ó Chico, ó
Chico, a sacola? Roubaram-na? ― gritou o miúdo.
Voltou a olhar o
mar, voltou para a sacola na cachola, o sonho não parou. Roubo? Nada
disso!
Tinha tudo.
Ana Paula Paiva, 52 anos, Porto
Chico ardina lá ia, rua acima,
sacola ao ombro, como toda a vida, afinal. Nisto, passa um miúdo, rápido,
rápido. “Ah, rapazola!!!” Pimba! O Chico no chão!” O rapazola saca a sacola ao
coitado do Chico. “A minha sacola!!! Acuda, vizinho Fininho!!! Acuda!!! Ali vai
o rapazola ao fundo da rua!”
O vizinho Fininho lá foi atrás do
miúdo, mas o rapaz voava como uma águia. “Oh, vizinho Chico! O miúdo tinha
asas! A sua sacola voou!”
Elisabete Anastásio, 56 anos, Setúbal
O dia andava frio, a chuva
caía com força na praça do Rossio.
Chico procurava, ansioso, a
sua sacola. Olhava à volta, mas não avistava vivalma. Quando viu dois polícias
do outro lado da rua, gritou:
– Acudam! Roubaram a minha
sacola! Ai, a minha vida toda roubada por um bandido, um larápio, um ladrão da
pior raça!
– Ora vamos lá com calma! O
ardina mais antigo aqui da zona, assaltado?! Vai acabar o mundo! – clamaram os
polícias.
Sandra Nunes, 46 anos, Loures
Chico Ardina toda a vida fora uma figura
simpática, muito calorosa, com muito carisma, azafamada a distribuir jornais ao
início do dia. Gritava alto: «O mundo dá os últimos suspiros! O mundo dá os
últimos suspiros!» Acorriam curiosos, curiosas, compravam os jornais,
procuravam uma razão para tais palavras. O mundo não acabava, afinal! Mas um
dia não mais o ardina foi visto, o grito faltava nas ruas, um mundo antigo ruiu
- as notícias vinham por computador.
Jorge Manuel Rodrigues, 60 anos, Santo Amaro de Oeiras